"O Fisco faz atropelos terríveis"



Entrevista a António Lobo Xavier


Grande entrevista a António Lobo Xavier sobre o país.

Bruno Proença e Francisco Teixeira

António Lobo Xavier defende que os partidos de direita vão ter obrigatoriamente que se entender no futuro. E que devem mudar de discurso para falar abertamente de liberdade e contra o peso excessivo do Estado. Sobre José Sócrates, não há dúvidas: é de esquerda, não é neo-liberal.

Apesar da visão optimista do Governo, como vê os impactos da crise nas empresas portuguesas?
Sente-se, desde logo, que há restrições financeiras para as grandes operações. Não tenho a menor dúvida de que a crise vai atrasar a economia e ter reflexos negativos. Admito que países pequenos, como Portugal, muitas vezes beneficiam da expansão da procura internacional, mas não perdem muito nos ciclos negativos. Mas isto vai estar mau para todos durante mais tempo e todos os dias há correcções do significado monetário da crise. Pensava-se que no início do ano se conseguiria quantificar, depois era quando saíssem todos os resultados das empresas, agora é nos resultados do primeiro trimestre. Eu acho que não: acho que isto ainda se vai prolongar.

Então o Governo está a ser muito optimista…
Acho provável que não se cumpram as estimativas do ministro das Finanças e do primeiro-ministro. José Sócrates disse há pouco tempo que os políticos são profissionais do optimismo. E se os governantes assumem que têm de ser optimistas em qualquer situação, nós temos que descontar. Não acho bem que os políticos sejam profissionais do optimismo, porque isso dá uma ideia – que é falsa – aos cidadãos de que os políticos são capazes, de facto, de mudar os indicadores económicos. E hoje, sobretudo numa economia débil e periférica como a nossa, nada está nas nossas mãos. Colaborar nessa “mentira” é também prejudicar a democracia, porque cada vez mais há um desencanto, prolongado pelo fosso entre aquilo que os políticos dizem que vão fazer e o que acontece. A verdade é que eles não podem fazer o que dizem.

Então como viu a redução do IVA?
Sou sempre a favor de uma baixa de impostos, mesmo que signifique um aumento de pressão para conter as despesas. Acho é que esta baixa é justificada demagogicamente. Diz-se que se escolheu este imposto porque afecta todas as pessoas. Mas, porque funciona por efeito de repercussão, é aquele em que o Estado menos controla os efeitos reais. Não há qualquer obrigação dos agentes económicos de manter as suas margens. E no debate político, todos, incluindo a direita, falam como se fosse possível controlar os preços do retalho e as margens dos produtores de bens e serviços.

É o Governo a preparar as eleições?

Exacto. Eu jamais escolheria mexer no IVA. Sempre tive mais preocupação com a questão da competitividade e não acho que seja no IVA que se jogam as grandes questões de competitividade. Por outro lado, a pressão do crescimento das receitas está a levar a atropelos terríveis no domínio fiscal, sobretudo nas empresas. Aliviar essa pressão e introduzir algum bom-senso seria melhor.

Há fundamentalismo na Administração Fiscal?
Espero que isso mude. Tenho muita confiança no novo secretário de Estado [Carlos Lobo] e na chefe de gabinete… São pessoas com grande conhecimento prático e sensibilidade. Até aqui, o Estado procurou cobrar impostos de qualquer forma. As empresas estão a sofrer fiscalizações sistemáticas, com insistência nos mesmos pontos. Eu duvido que seja sobre os grandes contribuintes, mais organizados, que deva incidir o maior esforço fiscal.

Sente isso nas empresas onde trabalha?

Claramente. O número de pessoas e recursos que é preciso mobilizar diariamente para lidar com fiscalizações sistemáticas, pontos de vista não divulgados, anunciados, informados ou negociados, é sintomático. Mesmo quando a Administração Fiscal perde no tribunal, no ano seguinte volta à carga com as mesmas ideias, criando burocracias enormes, por exemplo, quanto ao investimento estrangeiro. Acho que se devia investir aí, seria mais útil do que baixar um ponto do IVA, que não se sabe exactamente o que vai dar.

E quanto à reforma da Administração Pública, é mais produtiva, em termos de resultados?

Não houve reforma – foi adiada, ainda não produziu efeitos. Estamos longe da consolidação. Este valor do défice não é sustentável. Foi possível esta recuperação por um crescimento enorme das receitas e um esforço fiscal grande. Mas estamos no limite e ainda não vimos efeitos na despesa que tenham carácter duradouro ou que permitam antecipar que já estamos tranquilos. E outra coisa: esse também não é um interesse do Governo. Não por má-fé, mas porque não acredita nas virtualidades do equilíbrio orçamental. O PS é de esquerda, Sócrates é de esquerda. E só adopta as receitas, nomeadamente financeiras, por ser obrigado.

Ele é um esquerdista pragmático?
Obviamente. E num país como Portugal, não pode dar-se ao luxo de enfrentar sozinho, com rebeldia, regras e parâmetros comunitários. Não me parece que o PS e o primeiro-ministro acreditem na virtualidade do défice, do equilíbrio. Se pudessem, gastavam mais. Essa limitação da capacidade de gastar é contra a natureza do primeiro-ministro e do PS. Isto não é sustentável também por aí.

Sócrates está mais “Guterrista”?
Na aparência. Quais foram as medidas pós-remodelação? Na saúde, claro que mudou; na justiça, a grande reforma do mapa judiciário teve características completamente diferentes das anteriores – carácter experimental e não a velha cartilha socrática do “corte a direito”. Sublinho, isso é novo.

Acredita que Sócrates conseguirá a segunda maioria absoluta?
Acho que nenhuma outra legislatura teve tantas condições para fazê-lo como esta.

Nem mesmo Cavaco, em 1991?

Talvez só Cavaco em 1991, mas era uma altura de euforia económica; a mudança parecia uma irresponsabilidade a qualquer um. Daí em diante, é difícil encontrar condições políticas tão favoráveis.

O mérito de Sócrates é ter conseguido criar uma imagem de reformista?
É preciso ver que, apesar de tudo, para melhorar o Orçamento em Portugal foi preciso coragem política. Penso que as despesas não desceram tanto quanto deveriam mas é preciso, mesmo assim, coragem. Houve um corte no investimento, aumento de impostos, pressão fiscal generalizada… Coragem reformista é que não estou convencido. Do ponto de vista do Governo não foi um falhanço porque acha que o Estado está bem como está. O Governo só quer cortar o necessário para que tudo fique na mesma. Não há verdadeiras reformas. A reforma da Segurança Social é cortar as unhas: aumentar a idade da reforma e reduzir pensões.

Como acha que a direita chegou a este ponto?
Tem tudo a ver com o facto de o único triunfo de Sócrates ser o maior falhanço do anterior Governo: ter uma ideologia de equilíbrio orçamental, de redução do Estado e alteração qualitativa das funções do Estado e não ter conseguido praticamente nada nessa matéria. E Sócrates, tendo um pensamento que tende a favorecer o Estado, consegue fazer aquilo que se exigia aos outros. Isto trouxe enorme mobilidade à política. Muitas pessoas de pensamento e coração à direita sentiram-se frustradas pelo anterior Governo e realizadas em algumas coisas que os angustiavam. Não é por acaso que encontra, nas elites, mais tendência para contemporizar com José Sócrates do que no povo. Os gestores, profissionais liberais, professores universitários percebem a importância do fim do desregramento do Estado e tendem a valorizá-lo. São elites que não sofrem muito nos seus rendimentos e vêem as coisas de forma pragmática.

Houve uma tese que dizia que Sócrates estava a fazer como Tony Blair: a roubar as bandeiras da direita, gerando uma crise de conteúdo.
Não tem nada a ver. O que acontece é que, em Portugal – salvo raríssimas excepções –, a direita não tem coragem para assumir uma contra-ideia. Quando olhamos para o PSD, nunca conseguimos ver uma linha homogénea de antítese ao Governo. A diferença está em detalhes: não devem fechar sete hospitais, mas dois… E a incoerência é constante. Desmantela-se o Estado mas cada vez tem de haver mais atenção aos problemas dos professores, reformados… Não é possível. A direita tem que perceber que a única hipótese de combater Sócrates é propor uma alternativa com unidade, global. Deve dizer: Sócrates apenas está disposto a fazer pequenos acertos para manter tudo na mesma, embora disfarçando isso de grandes reformas, com arrogância, fingindo cortar a direito. Nós que queremos é tirar peso ao Estado. Em vez disto, Luís Filipe Menezes diz que até está muito próximo do PS, ideologicamente. Há gente que fala e não sabe muito bem qual devia ser o posicionamento geográfico do PSD… Assim não se vai lá. A lógica dos actuais sistemas políticos é serem bipolarizados, bipartidários. Porque as diferenças ideológicas mudaram muito e já não há bandeiras para tanta gente. Tende a haver uma agregação. O PSD – contra mim falo, contra o interesse do meu partido – devia apostar nisso.

Em engolir o PP?
Em ser a alternativa total à direita do PS e não ambiguamente alternativo. Se não for um partido que luta pela liberdade e pelo fim do Estado – que invade a privacidade, regulamenta tudo, quer introduzir regulamentação do pensamento, quer interferir, tem uma polícia de costumes e hábitos para lá do razoável –, não há alternativa.

E qual é o papel do PP nisso?
Os partidos geram grande afectividade e tenho grande ligação afectiva ao meu partido: gosto dele em qualquer circunstância. Mas é verdade que está a fazer coisas bem feitas… As bandeiras do CDS têm sido a segurança, a redução dos impostos, na Educação a defesa da liberdade de escolha, autoridade do professor... Ou seja, eu sou capaz de identificar no discurso político do CDS uma linha que me diz alguma coisa e um sentido de unidade.

O futuro de Paulo Portas estará em jogo com o resultado de 2009?
Não acho que seja uma sentença. Sendo amigo de Paulo Portas sei que tomará a decisão de se afastar se as coisas não correrem bem. Nunca falei com ele sobre isso, mas acho que sim.

Menezes e Portas são uma alternativa de poder séria e credível ao PS ou a direita tem de mudar de protagonistas?
É cedo para se dizer isso. Menezes tem meia dúzia de meses, mas pessoalmente não acredito… Paulo Portas tem um passado no CDS, anos de liderança e de alguns resultados eleitorais, de certa estabilidade no partido, que lhe conferem um crédito diferente. Pelo menos tenho que lhe conceder o benefício da dúvida. Acredito que, se fosse possível romper o círculo de dúvidas sobre a seriedade, o financiamento, escutas e questões que nunca mais acabam, o CDS estaria noutra oposição. Se não for possível romper, é sinal de que só com outros protagonistas à direita é possível resolver.

Há alternativas a estes protagonistas?
Não estão à vista. No CDS, claramente não estão. No PSD há uma grande turbulência, mas ainda não se percebeu quem poderá ser alternativa.

Como ficaria a direita partidarizada nessa bipolarização?
Não digo que esse caminho passe pela extinção dos partidos, mas acho difícil conceber daqui a cinco anos uma direita que não tenha uma certa forma de ligação ou articulação. Isso é super impopular dentro dos partidos: vão dizer coisas terríveis sobre mim no CDS. Eu sou do CDS até à última hora, mas é necessária, e faz sentido, uma certa articulação. Neste momento ela não é possível porque o líder do PSD pensa ostensivamente coisas muito diferentes daquelas que o CDS quer e não vejo como isso pode deixar de acontecer no futuro. A direita não pode continuar nesta situação em que está acantonada nos valores mais baixos desde setenta e tal. Não é possível.


“O CASO JORGE COELHO TEM UMA ENORME VANTAGEM: É TRANSPARENTE”

O Estado deve sair da CGD?
Por que não privatizar, pelo menos parcialmente? É melhor do que transformar a CGD numa espécie de banco de investimentos do Estado, que dá apoios discricionários às empresas, não se conhecendo os critérios porque não são exclusivamente privados ou públicos.

Como viu a passagem de Carlos Santos Ferreira da Caixa para o BCP? Considera uma nacionalização encapotada?
Não faço essa leitura. O BCP tem accionistas que sabem o que querem. Não acredito que o BPI, a Teixeira Duarte ou João Pereira Coutinho não saibam o que querem e se mantenham silenciosos a contra-gosto. É uma conversa dura de mais.

A solução do BCP foi imposta pelo Governo?
Não.

Condicionada?
Acredito que o BCP é governado pelos seus accionistas e que, em certo momento, decidiram romper a disputa interna entre duas facções e optaram por uma solução externa. Carlos Santos Ferreira é uma pessoa com qualidades pessoais fantásticas, que trabalhou com vários grupos em diferentes contextos políticos. Qualquer banco do país gostaria de o ter como presidente. Acho é que o Governo está presente em todos os negócios. Mesmo as grandes empresas procuram o Estado para resolver os seus problemas. É um dos aspectos mais negativos do país. Entre os maiores problemas estão a pobreza, a falta de uma cultura de liberdade sobretudo a relação entre o poder político e a comunicação social e a falta de uma cultura de liberdade económica e de concorrência. Mas a direita não anda a falar nisto…

Porque é que a vida pública não é atraente?

Há muitas pessoas que gostam da política mas não gostam da vida dos partidos. Como são os partidos que intermedeiam a entrada na política, as pessoas não gostam. Os partidos têm que mudar de vida. São essenciais na democracia mas neste momento estão a ser uma barreira à renovação da política. São as mesmas pessoas, os mesmos estatutos.

A questão financeira é importante?

É. A política é hoje um reduto para as massas. Os partidos gastam imenso dinheiro na forma de comunicar, no material de ‘marketing’.

E as remunerações. A política deve pagar bem aos melhores?

Acho que não é o único ponto, mas hoje a política paga mal.

No seu caso, perderia muito dinheiro…
Como sou advogado, estou permanentemente a declarar os meus interesses. Se falo sobre telecomunicações refiro a minha relação com a Optimus; se falo sobre construção, não escondo a minha relação com a Mota-Engil. Sou contra a criminalização das incompatibilidades. Fica pouco espaço para o carácter das pessoas.

Como viu a contratação de Jorge Coelho pela Mota-Engil?

Já é tão difícil ir para a política... Se quem trabalhar na política não pode voltar ao sector onde esteve antes, nunca mais cativamos os melhores. Alguma vez serei ministro das Finanças se não puder trabalhar, como advogado, na área de impostos?

A actual lei das incompatibilidades fala em três anos de “período de nojo”…
Mude-se para cinco, se for esse o entendimento generalizado. O problema da relação entre a política e a economia está nas relações obscuras. Acho que não devemos limitar demais estas relações. O caso de Jorge Coelho tem uma enorme vantagem: é transparente. Pensar que uma empresa com a dimensão da Mota-Engil escolhe Jorge Coelho para obter um passe para outro favor é termos uma ideia muita errada sobre a forma como as coisas funcionam. Se fosse esse o objectivo, era muito melhor manter outro tipo de relação.


É NATURAL QUE ANTÓNIO COSTA PENSE SUCEDER A SÓCRATES

A “Quadratura do Círculo” terá um novo elemento: António Costa. Como viu o facto de o presidente da Câmara de Lisboa estabelecer uma relação directa entre a OPA falhada da Sonaecom sobre a PT e as manchetes do “Público”, incómodas para o Governo?
Os melhores espíritos são capazes de dizer uma brutalidade. Não foi isso que me impediu de escolher António Costa como uma boa companhia de debate.

António Costa será o sucessor de Sócrates?

É natural e legítimo que pense nisso mas nunca mo disse.

Há quem diga que António Costa pode ser primeiro-ministro, caso Sócrates não obtenha a maioria em 2009…

Isso é duvidar do pragmatismo de José Sócrates. Qualquer político que ganhe as eleições vai fazer o necessário para governar.


“O FILME ‘CORRUPÇÃO’ É FÁCIL DEMAIS”


Viu o filme “Corrupção”?
Vi.

É um bom retrato da realidade?
O ‘script’ é fácil demais. Um autarca, um presidente de um clube, mulheres… Não fiquei exaltado com a criatividade do encenador.

Maria José Morgado diz que tinha quase tudo para ser um bom filme – mas faltou o quase…
Estou um pouco como ela, embora por razões diferentes. Nem sempre se acerta na frase.

Está a referir-se à sua frase sobre a saída de Pinto da Costa de funções?

O jornal colocou-a mal. A frase de que falava não era minha, mas do Procurador-Geral da República – que diz que as investigações sobre futebol já são um grande passo. Não concordo. A investigação não me diz nada, mesmo quando as pessoas são muito aguerridas como é o caso da Drª Maria José Morgado.

Já todos os portugueses têm uma ideia sobre o caso Apito Dourado…

Completamente, mesmo que a decisão final seja oposta à ideia inicial. O que eu disse foi: se eu fosse condenado, sem qualquer hipótese de recurso, não quereria manter-me como dirigente desportivo.


Perfil: António Lobo Xavier
Nasceu em Coimbra, a 16 de Outubro de 1959. Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Económicas (Universidade de Coimbra), foi professor universitário e publicou diversos manuais de Direito. Gosta de cozinhar e produz vinho verde em Penafiel, com a marca Casa da Gazalha. Casado e pai de quatro filhos – Maria, Mafalda, Leonor e António, de 20, 19, 16 e oito anos, respectivamente – , cuja companhia não dispensa, o ex-dirigente do CDS-PP não tem mãos a medir. Como o próprio dizia, na última “Quadratura do Círculo”: “Vou fazendo pela vida”. Aos 48 anos, além de sócio da sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva, é gestor da Sonaecom (na área legal, de regulação, planeamento fiscal e comunicação), administrador independente na Mota-Engil e no BPI, director da Associação Comercial do Porto e administrador da Fundação de Serralves. Sócio do Futebol Clube do Porto há mais de 15 anos, pertence ao Conselho Consultivo da SAD. O tempo que lhe resta, é dedicado ao partido – pelo qual foi vice-presidente, deputado



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